quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Revista Vida Pastoral. Paulus. 

Publicado em setembro-outubro de 2025 - ano 66 - número 365 - pp. 4-11

JESUS CRISTO, O EVANGELHO DA FORÇA DE DEUS: Entendendo a carta aos Romanos

Por Shigeyuki Nakanose, svd* / Maria Antônia Marques**


INTRODUÇÃO

Paulo pretende visitar Roma e obter apoio da comunidade cristã para chegar à Espanha, a fim de levar o Evangelho (Boa Notícia; Boa-nova) de Jesus Cristo a todos os gentios (Rm 1,1-17; 15,14-33;  cf. Gl 1,16). Preparando sua estada em Roma, ele escreve a carta aos Romanos durante sua permanência de três meses em Corinto, pouco antes de sua partida para Jerusalém em 57/58 d.C., concluindo sua terceira viagem missionária (52-57 d.C.: cf. At 18,18-21,16). A carta tem os seguintes objetivos principais:

a) A comunidade de Roma não foi fundada por Paulo nem havia sido visitada por ele. Por isso existia a necessidade de ele estabelecer um laço com a comunidade, apresentando-se com suas credenciais: servo, apóstolo e escolhido (Rm 1,1). Paulo, servo missionário e profeta de Jesus Cristo, o Messias Servo (Fl 2,6-11; cf. Is 42,1-9). Ele deseja anunciar e explicar, no mundo do império, o Evangelho de Jesus Cristo morto e ressuscitado (Rm 3,25; 4,25), que é força de salvação para todo aquele que crê na justiça e no amor de Deus (Rm 1,8-17; 15,17-21; cf. 1Cor 1,17-25). Trata-se de um Evangelho oposto ao evangelho do imperador romano, em função do poder e da riqueza (pax romana), e ao evangelho do judaísmo legalista, que prega a boa-nova da salvação pela observância fundamentalista da Lei (circuncisão, leis alimentares etc.).

b) Naquele momento de sua vida missionária, Paulo, ex-fariseu, é odiado pelo judaísmo legalista. Ele enfrenta a discordância e a desconfiança da comunidade-mãe de Jerusalém. Recentemente, na carta aos Gálatas, Paulo havia criticado fortemente o grupo judaizante, que procurava impor aos seguidores e seguidoras de Jesus Cristo (cristãos)[1] o modo de viver dos judeus segundo a Lei, a cultura e os costumes judaicos. Isso provocou a reação do grupo judaizante (incluindo gentios tementes a Deus e prosélitos pró-judeus) de Roma (Rm 3,8), que ainda era marcado pelas “obras da Lei” para alcançar a amizade, a graça, a justiça e a salvação de Deus. Paulo deve esclarecer seu Evangelho (“o meu Evangelho”: Rm 2,16; 16,25) e sua prática teológico-pastoral, salientando a salvação de Deus pela fé em Jesus Cristo, com a prática do amor ao próximo (Rm 12,3-21).

c) Paulo visita muitas cidades sob a dominação do império e é testemunha ocular da vida sofrida do povo (Rm 1,18-2,16; 8,18-27). Ele pretende dialogar com a comunidade de Roma e orientar essa comunidade, que vive sob o poderio romano e seu espírito egoísta (pecado, carne), conforme a mentalidade greco-romana, a helenização (busca desenfreada de bens, poder, prazer e honra), que provoca conflito interno (a disputa por cargos etc.: Rm 12,3-13) e gera a exclusão, o sofrimento de muitos e a destruição da natureza, provocada pelas guerras e pelo progresso da civilização romana. No império, Nero, imperador tirano, governou, entre 54 e 68 d.C., de forma cruel e exploradora, provocando a turbulência e a decadência daquele período da história de Roma, as quais transparecem nos gemidos da criação e dos seguidores e seguidoras de Jesus Cristo (Rm 8,22-23).

Para alcançar seus objetivos e ser bem recebido na comunidade de Roma, Paulo escreve a carta de modo sereno, sistemático e explicativo, contrastando com o tom polêmico usado na carta aos Gálatas (Gl 3,1-5). A carta aos Romanos é levada à cidade de Roma, possivelmente pela diaconisa Febe (Rm 16,1-2), uma das muitas mulheres colaboradoras de Paulo (Rm 16,3-15). Pessoalmente, Paulo só chegará lá mais tarde como prisioneiro, em 61 d.C. (At 28,11-16).

1. Conhecendo a comunidade cristã de Roma

No século I, a população de Roma, capital imperial, é calculada em um milhão de habitantes, em sua maioria escravos, que vivem subjugados e explorados pelo poderio do império. A vida deles normalmente é muito breve – não vai muito além dos 20 anos – e há grande incidência de suicídio. É uma sociedade escravagista, marcada pelo espírito da helenização e justificada pelo evangelho (religião) do imperador. A carta aos Romanos registra a presença de várias pessoas de origem não livre, ainda escravizadas ou libertas, nas diversas comunidades localizadas na periferia da capital (Rm 16,1-16).

A comunidade de Roma não é fruto de atividades missionárias de algum apóstolo importante, como Pedro, por exemplo. Ela surgiu com a chegada de judeu-cristãos vindos da Palestina e da Síria, na década de
40 d.C. A presença dos cristãos, que pregavam Jesus como o Messias esperado, tinha dado lugar a severas discussões e a tumultos nas comunidades judaicas, cujos membros – cerca de vinte mil – se encontravam espalhados em mais de dez sinagogas na cidade de Roma. Diante desses conflitos, o imperador Cláudio decretou o edito contra sinagogas e indivíduos responsáveis pelos distúrbios (de um lado, judeus; de outro, judeu-cristãos),  que chegaram a ser expulsos de Roma, nos anos 40 d.C. O casal judeu-cristão Priscila e Áquila, vítima dessa expulsão, deve ter informado Paulo sobre a situação da comunidade cristã de Roma e a situação da cidade (At 18,1-4; cf. Rm 16,3-5).

A proibição da autoridade romana de reunir-se nas sinagogas levou os judeu-cristãos e os gentio-cristãos (chamados de “gregos”: Rm 1,16; 2,9-10; 3,9; 10,12) a intensificar as reuniões nas casas de seus membros – a igreja doméstica (Rm 16,4-5.10-11). Mais tarde, quando o edito de restrições contra os judeus foi revogado sob Nero, os judeu-cristãos retornaram a Roma e encontraram nas comunidades a presença predominante de cristãos não judeus, que se julgavam livres da observância de práticas judaicas (as leis de pureza alimentar etc.). Disso resulta que a convivência do grupo conservador (“fracos”),  composto de judeu-cristãos e de não judeus tementes a Deus que eram pró-judeus,  com o grupo progressista judeu-cristão, como Paulo, e gentio-cristão (“fortes”), que não impunha a circuncisão nem os tabus alimentares judaicos, provoca problemas e conflitos internos (Rm 14,1-15,13).

Além do conflito interno, no tempo de Nero, a comunidade sofre ainda mais com a sociedade injusta e desigual, movida pelos instintos egoístas, que promovem a maldade, a perversidade e o culto aos ídolos do império
(Rm 1,24-32), provocando o sofrimento e a morte de muitos, bem como a destruição da natureza, obra (glória) do Deus criador (Rm 8,18).

Diante dos problemas internos e externos da comunidade, Paulo escreve a carta aos Romanos para dialogar com a comunidade e orientá-la sobre a fé no caminho do justo segundo o Evangelho de Jesus Cristo: “De fato, no Evangelho a justiça de Deus se revela através da fé e para a fé, conforme está escrito: ‘O justo viverá pela fé’” (Rm 1,17).

2. Conhecendo as mensagens teológico-pastorais da carta

A carta aos Romanos contém muito dos temas teológico-pastorais tratados nas constantes discussões com o judaísmo, com os judeu-cristãos e com os gentio-cristãos sobre os conflitos dentro e fora da comunidade, no mundo injusto e desigual do Império Romano. Eis aqui as principais mensagens expostas pela carta após a introdução geral (Rm 1,1-17), na qual Paulo anuncia o tema central:  “o Evangelho de Jesus Cristo é força de Deus e para a salvação” (Rm 1,16):

a) Todos estão sob a ira (julgamento) de Deus (Rm 1,18-3,20). Paulo começa com a descrição da realidade da condição dos gregos e dos judeus. A ira divina se manifesta contrária à impiedade contra Deus e à injustiça aos seres humanos, praticadas pelos gregos sob o império (Rm 1,18-32), e também é contra a atitude hipócrita dos judeus por não praticarem a Lei e imporem o jugo da Lei a todos das comunidades de seguidores e seguidoras de Jesus Cristo (Rm 2,1-29): “Tanto os judeus quanto os gregos, todos estão debaixo do pecado” (Rm 3,9).

b) A justiça divina (salvação) pela fé, como o exemplo de Abraão (Rm 3,21-4,25). Pela fé na “redenção realizada por Jesus Cristo”, a graça de Deus, o seu amor gratuito em ação na história (Rm 3,24-26), os judeus e os gregos podem integrar-se no projeto divino (separar-se do pecado: a autossuficiência e a injustiça), praticando a justiça e a piedade para com Deus, e passar da ira de Deus à sua justiça salvadora: “A justiça de Deus que vem por meio da fé em Jesus Cristo, em favor de todos os que acreditam” (Rm 3,22).

c) A graça da justificação em Jesus Cristo (a justificação: tornar-se justo e salvo ou ter amizade e paz com Deus – Rm 5,1-7,25). A salvação de Deus se realiza pela fé na sua graça, manifestada em Jesus Cristo morto e ressuscitado (“novo Adão”), e não pelo poderio do império (o sistema opressivo: “tribulações”) nem pelas obras da Lei do judaísmo legalista (a justiça retributiva, baseada na observância de um código moral e ritual). Ou seja, a pessoa batizada (“servos da justiça”: Rm 6,18), em nome de Jesus Cristo,  Servo sofredor (Rm 6,1-4; cf. 4,24-25;  5,12-21; Is 42,1-9; 52,13-53,12), justifica a vida pela fé ativa, traduzida em obras de amor fraterno com “armas de justiça” (Rm 6,13) de Jesus Cristo, condenando o sistema opressivo, livrando-se da escravidão da carne (“lei do pecado”: Rm 7,25), como “armas de injustiça” (Rm 6,5-23), e assegurando a paz com o Deus da vida:  “Portanto, tendo sido justificados pela fé, estamos em paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (Rm 5,1).

d) A vida no Espírito (Rm 8,1-39). O capítulo 8 é o ponto máximo da carta e se encontra bem no centro. Contrastando com a vida na carne (“lei do pecado e da morte”, instintos egoístas, o espírito da helenização: Rm 8,2; cf. 7,14-25), a pessoa cristã deve viver no Espírito (a “lei do Espírito da vida”: o amor, o caminho da vida – Rm 8,1; 5,5) de Jesus Cristo – que lutou pela vida, morreu pelo amor ao próximo e foi ressuscitado para a vida –, a fim de passar dos instintos egoístas para a gratuidade da salvação de Deus. Paulo, um apocalíptico, que pressente a vitória (amor, glória) de Deus sobre o mal (pecado, morte), descreve os gemidos de quem vive no Espírito, com a esperança pela libertação e pela vida como parto do mundo novo, cantando o amor salvador de Deus: “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Rm 8,35).

e) O universalismo do plano salvífico diante da salvação restrita a Israel – o povo judeu (Rm 9,1-11,36). Não há distinção entre judeus e gregos (não judeus) na salvação gratuita (a graça) de Deus por Jesus Cristo. A salvação não é questão de cultura e de Lei judaica, mas sim da fé no caminho (Evangelho: Rm 10,16; 11,28; Is 52,7) de Jesus Cristo morto e ressuscitado. O fato de os seguidores e as seguidoras de Jesus Cristo serem de etnia, gênero, classe e cultura diferentes não é fator de desunião e de conflito, mas de solidariedade e de enriquecimento mútuo: “Portanto, não há distinção entre judeu e grego, porque Jesus é Senhor de todos, e concede suas riquezas a todos os que o invocam” (Rm 10,12; cf. 1Cor 12,13; Gl 3,28).

f) O amor dentro e fora da comunidade (Rm 12,1-13,14). A pessoa que reconhece a vida (corpo) como graça de Deus, seu amor gratuito em ação, descobre a gratuidade para com os outros; forma a comunidade como um só corpo em Cristo; reparte os dons concedidos por Deus a serviço do bem comum; pratica o amor ao próximo, sobretudo para quem tem sede e fome; submete-se (dedica respeito) à autoridade que está a serviço do amor de Deus e do bem comum: “O amor não faz nenhum mal ao próximo, pois o amor é o cumprimento total da Lei” (Rm 13,10).

g) A convivência e a fraternidade na comunidade (Rm 14,1-15,13). Os “fortes” e os “fracos” convivem no amor de Jesus Cristo, acolhendo as diferenças e construindo o Reino de Deus: “Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida (em torno da lei alimentar etc.), e sim justiça, paz e alegria no Espírito Santo. Quem serve a Cristo nessas coisas, agrada a Deus e tem a estima das pessoas” (Rm 14,17-18); “Por isso, acolham-se uns aos outros, como Cristo acolheu vocês para a glória de Deus” (Rm 15,7).

UMA PALAVRA FINAL

Na leitura contextualizada da carta aos Romanos, percebe-se que ela, como todos os escritos de Paulo, não é bem um tratado de teologia dogmática, mas um texto pastoral para quem vive no Espírito de Jesus Cristo e sofre com o mundo dominado pela tirania da “lei do pecado e da morte” (Rm 8,2). Nos gemidos de quem prega o Evangelho de Jesus Cristo crucificado e luta pelo projeto de Deus, Paulo exprime: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada?” (Rm 8,35). Como quem vive o amor de Jesus Cristo (Rm 8,10-11), Paulo possui a certeza de que o amor, traduzido na sensibilidade, na solidariedade e na fraternidade, sustenta a vida nas horas de dificuldade, angústia, sofrimento e morte, e anima a caminhada rumo ao querer do Deus do amor.

Como no mundo de Paulo, muitos de nossos irmãos e irmãs continuam oprimidos e feridos pelas forças do mal. O império de hoje continua devorando o corpo dos pequenos, explorados até mesmo em nome da religião e da fé. Observa-se também o movimento das pessoas que não compactuam com a injustiça, a exploração e a violência, que levantam e caminham rumo à realização do projeto de Deus, movidas pela fé, pelo amor e pela esperança. Que aumente em nós, sempre mais, o amor de Jesus Cristo crucificado, para que vivamos na esperança da realização definitiva do Reino de Deus, já antecipado no mundo da justiça, da fraternidade e da paz.

[1]  No período de Paulo e dos Evangelhos sinóticos, ainda não havia o cristianismo como conhecemos hoje. Havia, sim, um movimento dos seguidores e das seguidoras de Jesus Cristo dentro do judaísmo.

Shigeyuki Nakanose, svd* / Maria Antônia Marques**

*é assessor do Centro Bíblico Verbo e professor no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP). e-mail: contato@cbiblicoverbo.com.br
**é assessora do Centro Bíblico Verbo e professora no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP). e-mail: ma.antoniacbv@yahoo.com.br

Revista Vida Pastoral. Paulus. 

Publicado em setembro-outubro de 2024 - ano 65 - número 359 - pp. 4-11

Restauração da monarquia davídica e da terra de Israel: Entendendo o livro de Ezequiel

Por Shigeyuki Nakanose, sdv*


Após a destruição de Jerusalém, o sacerdote-profeta Ezequiel, pertencente à elite da cidade, anima os deportados na Babilônia, descritos como “ossos secos” (Ez 37,1-16), e lhes prega a conversão (“novo coração”: Ez 11,14-21) e a restauração do povo pelo espírito de Deus, bom pastor (Ez 34,1-16); além disso, apresenta o projeto da reconstrução da monarquia davídica, com um novo rei fiel a Deus e um novo templo (Ez 37,21-28).

 

Na primeira deportação (597 a.C.), o profeta-sacerdote Ezequiel, pertencente à elite da cidade de Jerusalém, foi levado junto com o rei Joaquin/Jeconias de Judá para a Babilônia e se estabeleceu em Tel Abib, no canal do rio Cobar, um dos afluentes do Eufrates (1,3; 3,15). Entre os anos 593 e 571 a.C. (1,1; 29,17), ele exerceu sua atividade como profeta no meio dos primeiros exilados (família real, altos oficiais, anciões), animando, orientando e preparando-os para a restauração da monarquia davídica em Jerusalém (37,21-28). Após o exílio (538 a.C.), o grupo de Ezequiel instaurou a teocracia, instituindo o templo de Jerusalém como o local exclusivo de celebração de culto a Javé oficial, o centro administrativo e o local de arrecadação de tributo (40,1-48,35).

 1. Formação

Ezequiel, cujo nome significa “El (o Deus supremo) fortaleça” ou “El é forte”, era sacerdote do templo de Jerusalém e profeta da corte, em oposição aos profetas do campo, como Miqueias e Jeremias. Sendo de família sacerdotal, foi formado na escola teológica da monarquia davídica. Por isso, o grupo de Ezequiel era marcado por pensamentos sociais e religiosos da casa davídica, moldados sobretudo pelo movimento deuteronomista, cujo início se deu no reinado de Ezequias (716-687 a.C.: 2Rs 18-20; Dt 12-26) e se intensificou no reinado de Josias (640-609 a.C.: 2Rs 22-23; Dt 4,44-28,68), com o objetivo principal de centralizar o culto no templo de Jerusalém em nome de Javé, Deus oficial de Judá. Eis aqui os princípios teológicos da escola davídica de Jerusalém:

  1. Javé oficial, Deus poderoso, glorioso e transcendente, presente unicamente no templo da cidade santa de Jerusalém (9,3; Is 6,1-5), escolhe Israel como seu povo (20,5; Dt 7,6).
  2. Aliança de Javé oficial com o povo eleito é um compromisso recíproco (retribuição). Se o povo observar a Lei de Deus, receberá a bênção (terra, fecundidade, segurança e bem-estar). Se pecar, a maldição abaterá o povo – por exemplo, com a invasão e a destruição de Jerusalém (16,59-60; Dt 28,1-46; Is 5,1-7). O processo básico da teologia tem os seguintes passos: a infidelidade (pecado) ao Senhor Deus Javé, o castigo, a conversão, a nova aliança e a restauração do povo!
  3. Condenação dos lugares altos e de outros deuses para impor o culto a Javé oficial e somente no templo de Jerusalém (6,1-10; Dt 13; 2Rs 23,8-14; Is 2,6-22).
  4. Condenação da infidelidade da cidade santa de Jerusalém, tomada por abominações – ídolos imundos e crimes (4,1-5,17; 8,1-10,17; 16,1-63; 22,1-24,14; 2Rs 23,4-7; Is 1,21-25).
  5. O Senhor Deus Javé se compromete com a dinastia davídica: Davi e seus herdeiros reinarão em Israel para sempre (34,23-24; 37,24-25; 2Sm 7,1-17; Is 11,1-9).
  6. O rei davídico deve governar o povo com o “direito e a justiça”, promovendo a paz, sobretudo para os pobres e sofredores (22,6-7; 34,1-31; Dt 24,14-22; Is 9,1-6; Is 32,1-5).
  7. Reunificação de Israel Norte com Judá (Sul) sob Javé oficial, com um só rei davídico e um só templo, em Jerusalém (34,23; 37,15-28; 2Rs 23,15-20; Is 11,13).

São essas as ideias e as propostas básicas da teologia davídica (deuteronomista), que moldam as mensagens de Ezequiel e de seu grupo ao longo da sua atividade profética.

2. Mensagens e contexto histórico

O rei Joaquim (609-597 a.C.), sucessor de Josias, maltratou o povo (Hab 1,2-4) e fez aliança com o Egito, em busca de poder e riqueza, provocando guerra contra a Babilônia. Durante o cerco do exército babilônico, ele morreu e seu filho, Joaquin, assumiu o trono. Três meses depois, este se rendeu e foi deportado para a Babilônia, junto com seus governantes. O profeta Ezequiel os acompanhou e exerceu sua atividade profética na colônia judaica montada ao lado do canal do rio Cobar. Para ele, o rei Joaquin era o verdadeiro continuador da dinastia davídica, e os primeiros judeus exilados eram o verdadeiro povo de Deus. No desterro, Ezequiel, chamado de “filho do homem” (“ser humano”, em hebraico), profetizou segundo a perspectiva teológica da monarquia davídica e conscientizou os primeiros exilados a respeito da situação de Jerusalém no reinado de Sedecias (597-587 a.C.), sucessor de Joaquin. Após a queda de Jerusalém em 587 a.C., o profeta tentou orientar os exilados, exortando-os a restaurar a monarquia davídica em Jerusalém.

Reinado de Sedecias

Sedecias, o rei empossado pela Babilônia, continuou a dominar o país, usando novamente de violência e opressão (34,2-4). Ele, com o apoio do partido pró-Egito, recorreu ao Egito e tentou romper com a Babilônia, exercendo uma política militarista e expansionista a serviço da concentração do poder e da riqueza:

  1. O governo de Sedecias foi condenado pela prática opressora e violenta contra o povo sofrido. Para Ezequiel, o governante davídico, como bom pastor, deveria apascentar e defender seu povo, promovendo a justiça (22,1-31; 34,1-16).
  2. A aliança com o Egito incluía a adoção de certas práticas religiosas desse povo. Ezequiel, defensor de Javé oficial, denunciou a presença das divindades estrangeiras no templo de Jerusalém: a “estátua rival”, denominada “ídolos imundos” (8,1-10,17; 14,1-11).
  3. Javé abandonou o templo e a cidade de Jerusalém por causa da prática da idolatria (abominação) e dos crimes (22,17-31; 37,23) e exilou-se na Babilônia (10,1-11,25). Ele estaria no meio dos exilados (o rei Joaquin e seus oficiais), atestando que eles eram o verdadeiro povo eleito de Deus (3,12-15.22-23; 11,14-18).
  4. A visão dos “quatro seres vivos”, atrelados ao carro de Javé na viagem para a Babilônia, lembra as estátuas de quatro rostos, presentes na entrada dos templos e palácios da Mesopotâmia (1,4-28). É a visão que exorta Javé como o Deus de Israel poderoso, glorioso e transcendente diante dos deuses babilônicos.
  5. Ezequiel condenou as tentativas de Sedecias de sacudir o jugo do Império Babilônico (17,1-21). Qualquer tentativa de se insurgir contra a Babilônia poria em risco a vida dos primeiros exilados junto com o rei Joaquin, além de causar destruição ainda maior de Jerusalém, a cidade santa de Deus.
  6. Ezequiel condena os falsos profetas da corte de Sedecias, que pregam a aliança com o Egito e a guerra contra a Babilônia (13,1-16; cf. Jr 28).

Período exílico

A segunda revolta de Judá, com o rei Sedecias, provocou a reação violenta e devastadora do exército de Nabucodonosor, rei dos babilônios, em 587 a.C. O rei e seus governantes foram massacrados, a capital Jerusalém, com seu templo, foi devastada e o “resto” da população pobre de Jerusalém foi deportado (segunda deportação; cf. 2Rs 25,1-21). Os exilados caíam em estado de desespero e sem perspectivas de futuro, sendo descritos como “ossos secos” (37,1-2). No interior de Judá, com o esforço do grupo do profeta Jeremias, líder dos camponeses remanescentes, a terra de Judá foi distribuída aos pobres por Godolias, governador nomeado pela Babilônia, com a nova capital sendo estabelecida em Masfa (Jr 40,7-12), antigo santuário do Israel pré-monárquico (Jz 20,1; 1Sm 7,5; 10,17).

Durante o exílio na Babilônia, enquanto os pobres da segunda deportação tentavam sobreviver e sonhar com uma sociedade justa e fraterna, tendo como liderança e inspiração o “Servo sofredor” (Is 42,1-9; 52,13-53,12; 55,1-11), os primeiros exilados, sob a liderança de Ezequiel, procuravam manter sua fidelidade à aliança com Javé oficial, Deus glorioso e transcendente, fortalecendo e renovando a teologia oficial da monarquia davídica (deuteronomista):

  1. Causa do desastre nacional: a destruição e o exílio aconteceram não porque Javé oficial, o Senhor Deus poderoso, fosse incapaz de proteger seu povo, mas devido ao pecado do próprio povo de Israel, sobretudo à infidelidade dos governantes de Jerusalém (8,1-18; 22,23-31). Conforme a mentalidade da época, Javé oficial utilizou a Babilônia para castigar quem, quebrando a aliança com o Deus de Israel, praticava a abominação (6,1-14; 11,9-10).
  2. Coração novo e nova aliança: Javé perdoa o pecado de Jerusalém e realiza a nova aliança com Israel na medida em que o povo assume um “coração íntegro e um novo espírito” (= entendimento e conversão: 11,19-21; 18,31; 36,26-27; 37,3-14), observando os estatutos e voltando ao Senhor Deus Javé.
  3. Pureza no meio dos impuros: os exilados devem manter-se “puros” em terra estrangeira, observando os estatutos e as normas de Javé oficial: a circuncisão, o sábado, a lei da pureza etc. (20,18-20; 32,19-21; 36,16-25; 37,23).
  4. Responsabilidade individual (14,12-23; 18,1-32): cada um será julgado e condenado por Deus conforme seus pecados (= não observância da lei da pureza). Apresentam-se as normas e os rituais de pureza como leis de Deus e ensina-se que o acesso à salvação exige que cada pessoa siga individualmente essas normas e rituais, independentemente do compromisso prático, social e comunitário, sobretudo com os necessitados (o pecado social e a salvação comunitária). Esse é o princípio da retribuição individual que moldará o farisaísmo no futuro.
  5. Crítica contra os pobres remanescentes em
  6. Judá: Ezequiel condena os remanescentes de Jerusalém (Lm; Mq 4-5) e os camponeses remanescentes ao redor de Masfa (2Rs 25,12; Jr 39,10; 40,1-12), por pretenderem ser os herdeiros da terra santa (11,15; 33,23-29) para onde os exilados da primeira deportação, antigos latifundiários, esperam retornar no futuro. Pois os primeiros deportados se consideram o verdadeiro povo de Deus e os herdeiros legítimos da terra santa de Judá, contando com a presença de Javé no meio deles.
  7. Javé, bom pastor: em meio à realidade sofrida dos exilados, provocada pelos maus pastores (os últimos governantes davídicos), Javé mesmo se torna pastor para proteger, conduzir seu povo à sua terra e apascentá-lo com direito e justiça (34,1-16).
  8. Restauração do novo Israel: Ezequiel planeja a restauração da nova monarquia davídica, com o restabelecimento da aliança com Deus; a reunificação dos dois reinos sob o único pastor, o novo Davi; a restauração do novo “santuário” no meio do povo, no qual Javé oficial habitará para sempre, restabelecendo a aliança de paz (37,15-28). Historicamente, o projeto da nova monarquia davídica (Ag 2,20-23) foi reprimido pelo Império Persa, o novo senhor do mundo, e os sacerdotes assumiram também o poder político, configurando a teocracia.

Período pós-exílico

Após o exílio (538 a.C.), o grupo de Ezequiel, agora chamado golá (a elite repatriada), retornou para Judá, exigiu o direito sobre essa terra santa e estabeleceu a teocracia como comissário do Império Persa (Esd 1-7). Os teocratas reconstruíram e fortaleceram o sistema do templo com Javé, Deus único, a teologia da retribuição, a lei da pureza, os sacrifícios, a sacralização do sábado, as festas, as ofertas dos produtos da terra para Deus Javé etc., como principais meios de arrecadação de tributos, para o enriquecimento da teocracia de Jerusalém e do Império Persa, provocando o sofrimento do povo (cf. Is 66,1-4; Jó 24,1-12; Sl 73).

Para justificar o funcionamento da teocracia com o templo e a distribuição da terra santa, os teocratas, seguidores de Ezequiel, escreveram a utopia da nova Jerusalém e do povo restaurado com a presença de Javé, o Senhor Deus glorioso e transcendente (Ez 40-48):

  1. Nova Jerusalém esplêndida e utópica (40,1-46,24): a cidade santa é descrita com o novo templo bem organizado, com seu altar, ministros, festas e sacrifícios.
  2. Templo, a fonte da bênção de Deus (47,1-12): a água nascida do templo se torna um poderoso rio, que atravessa e fertiliza a região seca da terra, produzindo peixes, árvores, frutos e folhas medicinais. Historicamente, os sacerdotes filhos de Sadoc, que foram os primeiros a ser exilados na Babilônia junto com o rei Joaquin e o profeta Ezequiel, obtiveram privilégios culturais, materiais e políticos ao ocuparem o serviço principal do novo templo (44,4-31). Eles foram criticados pelo profeta Malaquias e acusados de desleixo e corrupção do culto (Ml 1,6-2,9).
  3. A divisão da terra (47,13-48,35): o príncipe (descendente de Davi) deve garantir a divisão da terra (herança) como dom de Deus, uma vez que a sustentação econômica do governo consiste basicamente em cultos, festas e tributos arrecadados da herança do povo (45,13-17). A parte central do território é reservada para o Senhor Deus Javé glorioso e seus ministros teocratas (45,1-12; 48,8-22). A arqueologia confirma que mais de quarenta mil camponeses permaneceram em Judá, durante o exílio, organizando a vida em clãs, tribos e aldeias comunitárias. Como no tempo da monarquia, eles iriam sofrer novamente com a política centralizadora e opressiva dos teocratas, em nome de Javé poderoso e castigador (Is 58,1-12). Possivelmente, nessa época os teocratas alteraram a lei do jubileu, dizendo que, após cinquenta anos – duração aproximada do exílio –, a terra deveria retornar a seus antigos donos (Lv 25,8-13).
  4. A presença gloriosa de Javé: a mais importante afirmação de Ez 40-48 é a glória de Javé, que retorna e permanece na cidade santa de Jerusalém, renovada para sempre (43,1-9): “Javé aí está” (48,35). É a afirmação que justifica a legitimidade do poder dos teocratas, como o verdadeiro povo santo de Javé, sobre os pobres remanescentes em Judá.

3. Redação e estrutura

O livro de Ezequiel apresenta uma série de trabalhos redacionais de vários grupos: repetições (3,17-21 = 33,1-9; 18,25-29 = 33,17-20); deslocamentos (3,22-27; 4,4-8; 24,15-27; 33,21-22); acréscimos posteriores (38-39 e 40-48). Existem pelo menos três grupos: a) oráculos e visões de Ezequiel que foram conservados, reinterpretados e acrescentados por seus seguidores, segundo a visão da teologia deuteronomista; b) instituição e legislação da nova Jerusalém utópica, escrita pelos teocratas, o grupo de Ezequiel do tempo pós-exílico (40-48); c) confronto entre Israel, o povo santo, e as potências do mal, em perspectiva escatológica (38-39). Em linhas gerais, o atual livro pode ser organizado da seguinte forma:

I. 1,1-3,21II. 3,22-24,27III. 25-32IV. 33-39V. 40-48
Vocação do profetaOráculos sobre a destruição de JerusalémOráculos contra as naçõesOráculos de salvação para IsraelVisão da nova Jerusalém e do povo restaurado

4. Uma palavra final

A Bíblia não caiu do céu, mas nasceu na história e em diferentes contextos sociais. Com a formação deuteronomista, Ezequiel tentou exortar os primeiros exilados a restaurar a monarquia davídica para que estivesse a serviço do povo. Depois do exílio, a elite repatriada de Ezequiel estabeleceu a teocracia em Judá com o Senhor Deus Javé castigador, o templo e a lei da pureza, sob a política do Império Persa, que explorou e oprimiu os pobres e os sofredores (Jó 24,12). Essa teocracia moldaria mais tarde o sinédrio (com o templo de Jerusalém), no tempo de Jesus de Nazaré, e continuaria a explorar o povo sofredor em nome do Senhor Deus Javé (Mc 11,15-19).

O Segundo Isaías, no mesmo período de Ezequiel, conscientizou o grupo dos pobres exilados da segunda deportação a respeito da sua missão de ser “Servo” para construir uma sociedade solidária, justa e fraterna, sem monarquia (Is 42,1-9; 55,1-11). O sonho do Servo foi assumido e alimentado pelo grupo do Terceiro Isaías e por outros para projetar “um novo céu e um nova terra” de paz e harmonia, um lugar onde a vida poderia ser vivida em plenitude (Is 65,17-25; cf. Ap 21,1). É o mesmo sonho das “bem-aventuranças” de Jesus de Nazaré de ontem e de hoje (Lc 6,20-23).

A Bíblia é uma colcha de retalhos costurada com tecidos de diferentes períodos e de diferentes grupos. Alguns têm as cores da vida do povo das aldeias, outros as cores da monarquia ou da teocracia. Como pessoas cristãs, somos chamadas a ler a Bíblia dentro do contexto e a descobrir, nas diferentes cores, a mensagem do Deus da vida. A mensagem da vida em plenitude válida para todos os tempos.

Referências bibliográficas

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ALLEN, Leslie C. Ezekiel 20-48. Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1990. (Word biblical commentary, v. 29).

BLENKINSOPP, Joseph. Ezekiel. Louisville: John Knox Press, 1990. (Interpretation: a Bible commentary for teaching and preaching).

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DIETRICH, Luiz J.; NAKANOSE, Shigeyuki (org.). Uma história de Israel: leitura crítica da Bíblia e arqueologia. São Paulo: Paulus, 2022.

NAKANOSE, Shigeyuki; MARQUES, Maria A. (Centro Bíblico Verbo). A lei a favor da vida?: entendendo o livro do Deuteronômio. São Paulo: Paulus, 2020.

NAKANOSE, Shigeyuki; MARQUES, Maria A. (Centro Bíblico Verbo). Terra de Deus, terra de irmãos?: entendendo o livro de Josué. São Paulo: Paulus, 2022.

NOVA BÍBLIA PASTORAL. São Paulo: Paulus, 2014.

PEDRO, Enilda de P. O Servo de Javé, uma nova liderança: “Não apagará o pavio que está para se apagar” (Is 42,3). Vida Pastoral, São Paulo, n. 238, p. 11-16, 2004.

Shigeyuki Nakanose, sdv*

*é assessor do Centro Bíblico Verbo e professor no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (Itesp). E-mail: contato@cbiblicoverbo.com.br

 Revista Vida Pastoral. Paulus.

Publicado em setembro-outubro de 2023 - ano 64 - número 353 - pp.: 6-11

Nova Humanidade em Cristo: entendendo a carta aos Efésios

Por Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose


A carta aos Efésios (Ef) foi escrita no fim do século I d.C. e dirigida a várias comunidades cristãs da Ásia Menor (hoje Turquia), região subjugada e explorada pelo Império Romano, movido pelos espíritos do mal – ganância, mentira, injustiça, discriminação, desigualdade, insensibilidade, libertinagem (Ef 4,17-32; 6,10-20). Nesse contexto, a carta exorta os fiéis à prática do Evangelho de Jesus Cristo crucificado (Ef 3,1-21), na luta por uma sociedade solidária e fraterna contra o mal: “Revistam-se do homem novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade” (Ef 4,24).

 

Introdução

A carta aos Efésios, juntamente com Filipenses, Colossenses e Filêmon, é conhecida como “carta do cativeiro”, por dar a entender que Paulo se encontrava preso (Ef 3,1; 4,1; 6,19-20). Acredita-se que Paulo foi prisioneiro em Roma, entre os anos 61 e 63 d.C., e pode ser que nessa ocasião tenha escrito a carta a seus seguidores e seguidoras da cidade de Éfeso, capital da província romana da Ásia Menor, para instruí-los no projeto (mistério) salvador de Deus e na vida comunitária em Jesus Cristo.

No entanto, uma simples comparação da carta aos Efésios com as cartas protopaulinas (Rm, 1 e 2Cor, Gl, Fl, 1Ts e Fm) possibilita perceber que há grandes diferenças quanto ao estilo, vocabulário, teologia e orientação pastoral, levantando dúvidas sobre a autoria de Paulo.

1. Autor, destinatário e data

Os estudiosos apontam as seguintes características da carta em estudo:

a) Vocabulário: Ef contém 86 termos que não se encontram nas cartas paulinas. Desses, 34 estão ausentes em todos os outros textos do Novo Testamento.
b) Colossenses: a carta dirigida à comunidade de Colossas (cidade da Ásia Menor), escrita por um colaborador de Paulo, é a mais parecida com Ef, tanto na forma quanto no conteúdo.
c) Judeus e não judeus: Ef não trata do grave conflito entre judeus e não judeus, descrito nas cartas paulinas – por exemplo, em Filipenses (cf. Fl 3,2) –, o que indica uma realidade do fim do século I d.C.
d) Escatologia: Ef não espera a vinda iminente de Cristo, como Paulo acreditava. Essa expectativa tinha enfraquecido, e as comunidades precisavam se organizar e se adaptar para sobreviverem dentro do império (cf. 1 e 2Pd).
e) Cartas católicas: Ef tem relações significativas com as cartas católicas (Tg; 1 e 2Pd; 1, 2 e 3Jo; Jd), escritas entre os anos 90 e 110 d.C., bem posteriores ao apóstolo Paulo.
f) A menção a Éfeso como destinatário falta em muitos manuscritos importantes de Ef, o que faz pensar em uma carta-circular aos cristãos da Ásia Menor, por volta do ano 90 d.C.

Esses dados são suficientes para afirmar que Paulo não escreveu a carta aos Efésios. Essa carta-circular possivelmente foi enviada a várias comunidades no fim do primeiro século, no contexto de exploração e dominação do Império Romano.

2. Conhecendo a realidade

O livro do Apocalipse de João, escrito no fim do século I d.C. na Ásia Menor, descreve a exploração econômica da região pelos “mercadores da terra” (o Império Romano). Estes estavam explorando e levando a riqueza da terra para a capital do império: “Carregamento de ouro e prata, de pedras preciosas […], vinho e azeite, flor de farinha e trigo, bois e ovelhas, cavalos e carros, escravos e vidas humanas” (Ap 18,12-13). O último trecho – “cavalos e carros, escravos e vidas humanas” – aponta e simboliza o regime econômico e político do Império Romano: uma sociedade escravagista, controlada por um exército poderoso e violento (Ap 6,1-8). A dominação começa com a terra: a maioria das terras da Ásia Menor pertencia ao império, o que gerava a cobrança sistemática de impostos e o monopólio do comércio (Ap 13,11-18).

A maioria da população local estava submetida à escravidão, decorrente da exigência de impostos, do comércio abusivo e das várias formas de violência. O duro trabalho nas fazendas (“ovelhas”), nas minas (“prata”, “pedras preciosas”) e nas fábricas (carroças e carros puxados por cavalos) enfraquecia e empobrecia o povo. O sofrimento aumentava ainda mais com a dominação cotidiana do império no ambiente social e cultural da Ásia Menor, subjugação que se manifestava com as seguintes características:

a) O patronato. O sistema de patronato, ou clientelismo, funcionava como uma pirâmide e era marcado pela “troca” de favores entre as pessoas, criando verdadeira teia de influência e poder. Quando o patrono rico favorecia o cliente que tinha menor poder ou riqueza, essa prática gerava dependência e submissão, porque a pessoa mais pobre se sentia grata e devedora de favores ao poderoso. O patronato permeava todas as relações dos membros da “família”: marido e esposa, pai e filho, patrão e escravo etc. (Ef 5,21-6,9). O imperador, denominado pater patriae, era a figura máxima da sociedade patronal. Ele controlava e submetia toda a população conquistada pelo Império Romano.
b) A helenização, baseada no dualismo da cultura helenista (Deus e o mundo). O império alimentava o espírito da helenização ou romanização, marcado pela busca desenfreada de bens, prazer e honra. Tal busca provocava a libertinagem ética e social, que se traduzia em ignorância, insensibilidade, paixão enganadora, mentira, injustiça, difamação, roubo, conflito, violência (Ef 4,17-5,30).
c) A religião imperial. O poder do império era legitimado pela religião oficial. O culto aos imperadores, por exemplo, era celebrado nos templos das cidades da Ásia Menor (Ancira, Pessinunte, Antioquia da Pisídia etc.), fortalecendo o domínio do império mediante o poder e o carisma do imperador, considerado divino. No culto, o evangelho, a “boa-nova” de César Augusto, o senhor do império e da terra, era proclamado, exaltando o império e o imperador por estabelecerem na terra a paz e a salvação: a pax romana. O evangelho imperial era oposto ao de Cristo Jesus, por meio do qual Deus Pai revela seu mistério (projeto) de salvação (Ef 1,1-23; 3,1-13).
d) O mundo cultural e religioso. Os membros da Igreja, predominantemente gentios, eram convertidos de um ambiente cultural e religioso helenístico (greco-romano), marcado pelas religiões de mistério, magia, astrologia. Eles acreditavam que os maus espíritos, o diabo, o maligno e os poderes cósmicos habitavam nos céus e manobravam o mundo, os seres humanos e a história, provocando injustiça, violência e morte (Ef 2,1-3; 6,10-20).

O sofrimento do povo conquistado foi acentuado nos anos do reinado de Domiciano (81-96 d.C.), um imperador arrogante, que exigiu ser chamado de “Senhor e Deus”. Seus últimos anos foram marcados pelo terror (com muitas sentenças de morte, também contra membros da própria família, e feroz perseguição aos cristãos) e por problemas econômicos, geradores de grande turbulência, exploração e violência contra a população da Ásia Menor.

Era nesse mundo hostil que as comunidades cristãs jovens, recém-separadas do judaísmo (judeu-cristãos expulsos da sinagoga: cf. Jo 9), deviam firmar-se, unir-se e manter sua caminhada, pregando Cristo Jesus crucificado e praticando o amor ao próximo (Ef 3,14-22).

Sobretudo os gentios convertidos deviam apropriar-se das virtudes de Cristo, livrando-se de uma vida não cristã, dos vícios e dos maus espíritos. Ademais, por volta do ano 90 d.C., os cristãos já não esperavam uma parúsia iminente (Ef 2,5.8), mas se empenhavam em construir “moradas” neste mundo (Jo 14,23). A preocupação com a solidificação da Igreja e com a estabilidade da família cristã estava em primeiro lugar diante dos problemas do mundo.

3. Conhecendo os problemas

A carta aos Efésios não faz referência direta a problemas ou a situações concretas de uma comunidade específica. Entretanto, nas entrelinhas do texto, surgem os problemas que um pequeno grupo de comunidades, formadas ao redor da figura de Jesus Cristo na Ásia Menor, enfrentava para manter sua sobrevivência, entre os quais a questão da terra explorada e dominada pelo Império Romano. Ao procurarem viver o amor ao próximo, as comunidades, a exemplo de Jesus Cristo, chocavam-se com os valores do imponente mundo helenizado e hierarquizado em que estavam inseridas.

a) Como os cristãos podiam acreditar em um Messias crucificado e pregá-lo (Ef 2,16)? Como acreditar que o mais esmagado e desprezado entre os seres humanos era o Filho de Deus, que veio para dar sentido à vida e a um mundo sob o domínio do Império Romano com seu imperador, considerado Senhor e Deus poderoso? Como os cristãos podiam usar o título “Senhor” para Cristo Jesus, título reservado ao imperador? Qual a posição de Cristo Senhor em relação ao “Deus imperador” e aos poderes cósmicos?
b) Como a Igreja, oriunda da tradição judaica do povo de Deus (de monoteísmo exclusivo), podia dar, com o Evangelho de Jesus Cristo, o “projeto salvador da graça de Deus” – o “mistério” (Ef 3,2-4) – a todas as nações alcançadas pelo projeto salvador da pax romana mediante o evangelho do imperador?
c) Havia o grupo helenizado, com seu conhecimento – a gnosis nas comunidades (Ef 3,19; cf. Cl 2,1-8; 1Jo 2,18-3,24) –, que se interessava apenas por si mesmo, alegando ter uma liberdade superior, e exprimia uma espiritualidade vertical, muitas vezes desvinculada do compromisso social e comunitário.
d) A maioria dos membros era de não judeus convertidos, mas havia também membros judeus (e antigos tementes a Deus) em seu meio, e o problema da relação entre eles ainda não havia sido resolvido (Ef 2,14). O fluxo dos novos convertidos não judeus nas comunidades criou algumas tensões significativas. Nesse contexto, como resolver a inimizade cultural e econômica para manter a unidade da Igreja?
e) Em uma sociedade escravagista, a posição, a carga e a função social das pessoas eram controladas pelo sistema patronal e patriarcal, que tinha o imperador como patrono e Pai e instaurava relações de submissão e desprezo. Como a carta aos Efésios advertiu os membros para o perigo de desprezo e de conflito na Igreja por causa das diferentes funções de cada membro (Ef 4,16)?
f) No mundo greco-romano, marcado pela helenização, os cristãos, sobretudo os gentios convertidos, encontram-se em perigo de retrocesso na vida moral e desvio da fé. Como conscientizar a comunidade sobre os perigos, como a imoralidade da libertinagem (Ef 4,19)?
g) Como as pessoas batizadas em nome de Jesus Cristo, sob a ética da igualdade (Gl 3,28), assumem o “código doméstico” (a lei da submissão) na família, a célula fundamental da sociedade patriarcal e escravagista daquele tempo (Ef 5,21-6,9)?
h) As injustiças e opressões eram praticadas pelos poderosos do mundo (Ef 6,12) na realidade vigente da sociedade escravagista, na qual era quase impossível promover mudanças. Como a carta aos Efésios orienta os membros para lutar contra o mal, personificado pelo diabo (maligno), que seduz e se encarna nos poderosos do mundo?

4. Conhecendo a carta aos Efésios

A carta pode ser dividida em duas partes. A primeira é uma parte doutrinal sobre o projeto salvador (o mistério) de Deus, realizado em seu Filho, Jesus (Ef 1,3-14), e desenvolvido na Igreja, a qual tem, como cabeça, Jesus Cristo soberano e crucificado (Ef 1,15-2,22), anunciado por Paulo (Ef 3,1-21). A segunda é marcada pela exortação a dinamizar a vida cristã: viver na unidade (Ef 4,1-16), viver como filhos da luz (Ef 4,17-5,20), ser família cristã (Ef 5,21-6,9), lutar contra o mal (Ef 6,10-20). Eis um possível esquema para a carta:

a) Introdução – 1,1-2: saudação inicial;
b) Primeira parte – 1,3-3,21: o mistério de Cristo soberano, cósmico e eclesial;
c) Segunda parte – 4,1-6,20: a vida cristã na prática;
d) Conclusão – 6,21-23: saudação final.

5. Conhecendo as mensagens principais

A carta aos Efésios apresenta uma reflexão sobre a Igreja como corpo de Jesus Cristo. Ela exorta os leitores a uma conduta digna da vocação cristã no mundo helenista, patriarcal e escravagista do Império Romano.

a) O senhorio e a presença gloriosa de Cristo (Ef 1,3-23): descreve e prega a soberania de Jesus Cristo como o único Senhor sobre “as coisas celestes e as terrestres”, para fortalecer a identidade, a sobrevivência e a resistência dos cristãos ante a dominação dos poderosos do mundo, justificada pela imagem poderosa do imperador, “Senhor e Deus”.
b) A Igreja universal (Ef 2,1-22): Cristo crucificado, como a maior manifestação do amor infinito do Pai, derruba as barreiras (como a Lei e a tradição oficial) que isolavam Israel das outras
nações. Doravante, gentios e judeus convertidos ao cristianismo formam, com unidade e igualdade de direitos, um só corpo, “homem novo” ou “nova humanidade”.
c) O mistério de Deus com o amor de Cristo (Ef 3,1-21): a grande obra salvífica (mistério) de Deus, realizada em Jesus de Nazaré crucificado e anunciada pelo Evangelho de Cristo Jesus soberano, está revelada e desenvolvida na Igreja, o corpo de Cristo, na qual os gentios também fazem parte do povo de Deus. Na Igreja, a fé no amor de Cristo, fortalecida pelo Espírito Santo, deve ativar o “coração” dos fiéis para superar “todo conhecimento” (desvinculado da responsabilidade social e comunitária) e construir a casa de Deus Pai no seio do mundo injusto e opressor.
d) Unidade na diversidade (Ef 4,1-16): pelo batismo, os membros cristãos, “ressuscitados” com Jesus Cristo, são libertos do “pecado” (o poder das trevas) e unidos ao Filho de Deus, participando do mistério (o projeto da salvação) de Cristo e formando a nova humanidade, o “homem perfeito”, na Igreja. Nela, cada membro, com seu carisma e função, forma “um só corpo e um só Espírito” no amor verdadeiro de Cristo, em oposição à sociedade patronal e escravagista de desigualdade e discriminação.
e) Nova humanidade em Cristo (Ef 4,17-5,20): a pessoa renovada em Cristo deve revestir-se do “homem novo”, como filha da luz, e caminhar no amor, bondade, justiça e verdade, abandonando a “libertinagem e a prática insaciável de todo tipo de impureza”.
f) Amor e respeito (Ef 5,21-6,9): segundo o modelo da união de Cristo e da Igreja, Efésios propõe que os cristãos pratiquem o código doméstico (as instruções sobre as relações entre mulher e
marido, entre filhos e pais e entre escravos e patrões), com a “reciprocidade” e o “amor ao próximo”, nas “casas-empresa” de residência e produção, a célula fundamental da sociedade daquele tempo. A orientação visa desacreditar e subverter, pacífica e gradativamente, as relações de dominação e submissão dentro da sociedade patriarcal e escravagista sustentada pelo poderoso Império Romano, o mundo em que não se podia imaginar nem cogitar mudanças no sistema de relações socioeconômicas estabelecidas.
g) Luta contra os espíritos do mal (Ef 6,10-20): na realidade vigente da sociedade opressora do império, com seu exército violento e sua religião ostensiva, os cristãos, portando a “armadura de Deus”, devem lutar contra os espíritos do mal chefiados pelo diabo (maligno), os quais seduzem e dominam o mundo, o ser humano e a história com seu espírito de alienação, ignorância e libertinagem. As armas para o combate e a resistência à sociedade geradora de injustiça, opressão e morte são a verdade, a justiça, o Evangelho da paz, a fé, o Espírito, a Palavra e a oração.

Conclusão

Fazendo uma leitura contextualizada da carta aos Efésios, percebe-se que as comunidades cristãs de ontem e de hoje devem lutar contra o mundo da injustiça e executar o projeto salvador (mistério) de Deus, revelado no Evangelho do amor de Jesus Cristo crucificado: Deus Pai criador reúne todas as pessoas na unidade e na paz, excluindo quaisquer separações de classe social, etnia, gênero e
origem religiosa.

Quase dois mil anos se passaram, mas os espíritos do mal (ambições de bens e de poder) continuam seduzindo, encarnando-se nos poderosos de hoje e devorando as pessoas inocentes mediante as guerras, o trabalho escravo, a economia selvagem, a fome, a violência etc. Como os cristãos podem lutar contra o mundo do maligno, não só em sentido espiritual, mas também em sentido real e concreto? As injustiças e desigualdades crescem a cada momento, dentro e fora das comunidades cristãs. Temos o desafio de reavivar a justiça, a solidariedade e a irmandade em nossa vida e missão.

Referências bibliográficas

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THEISSEN, Gerd. A religião dos primeiros cristãos: uma teoria do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulinas, 2018.
WINN, Adam (ed.). An introduction to Empire in the New Testament. Atlanta: SBL Press, 2016.

Maria Antônia Marques e Shigeyuki Nakanose

*Maria Antônia Marques é assessora do Centro Bíblico Verbo e professora no Instituto São Paulo de Estudos
Superiores (Itesp). E-mail: ma.antoniacbv@yahoo.com.br

**Shigeyuki Nakanose, svd, é assessor do Centro Bíblico Verbo e professor no Instituto São Paulo de
Estudos Superiores (Itesp).
E-mail: contato@cbiblicoverbo.com.br




 Revista Vida Pastoral. Paulus.

Publicado em setembro-outubro de 2022 - ano 63 - número 347 - pág. 04-11

Terra de Deus, terra de irmãos? Entendendo o livro de Josué

Por Shigeyuki Nakanose* e Maria Antônia Marques**


Introdução

O livro de Josué narra a conquista de Canaã, a Terra Prometida, guiada por Josué, sucessor de Moisés (Js 1-12), e a repartição da terra entre as 12 tribos (Js 13-22). A última parte do livro descreve a despedida de Josué e a renovação da Aliança com Javé, Deus de Israel, em Siquém (Js 23-24). No livro, a principal ideia é que Javé combate as guerras de Israel, seu povo eleito, e lhe dá as vitórias, mandando expulsar e exterminar as populações locais, punindo-as pela idolatria (o culto a outras divindades) e garantindo a terra para Israel, enquanto este permanecer fiel à Aliança com seu Deus.

 Os acontecimentos narrados da formação de Israel em Canaã situam-se entre os anos 1300 e 1000 a.C. Porém, o problema surge quando alguém lê o livro de Josué com olhar crítico. Os fatos descritos no livro não se sustentam diante dos estudos da literatura, da história (fato realmente acontecido), da arqueologia etc. Eis alguns exemplos:

  1. a) As narrativas de guerras de conquista (Js 5-12), como a da cidade de Jericó (Js 6) e a da cidade de Hai (Js 8), não coincidem com o fato histórico: Jericó, por volta do ano 1300 a.C., não tinha muralhas nem estava habitada; Hai, que fora destruída em meados de 2400 a.C., não estava habitada na época em que se supõe que os israelitas entraram na terra de Canaã.
  2. b) Israel nasceu na terra de Canaã. Os estudos literários e arqueológicos atuais não sustentam a hipótese proposta pela leitura fundamentalista da Bíblia de que Israel vem de fora e conquista uma parte substancial de Canaã pela força militar.
  3. c) A maioria dos israelitas primitivos eram pessoas da cultura e da religião cananeia.
  4. d) Os israelitas primitivos cultuavam várias divindades: El, Elohim, Asherá, Baal, Javé, entre outras.
  5. e) A ideia da Aliança com Javé, Deus do Estado (Js 8,32-35; 24,14-28), começou a ser elaborada pelo movimento deuteronomista da corte davídica do rei Ezequias, por volta do ano 700 a.C.
  6. f) A existência de um sistema de tributos para Judá é atestada somente a partir do século VII a.C. (Js 15,21-44.48-62; 18,21-28; 19,2-8.41-46).
  7. g) A ideia de 12 tribos (Js 13-19) é construção teológica que começou a ser elaborada no tempo de Josias e consolidada por volta do ano 400 a.C.
  8. h) Israel tornou-se monoteísta somente com a teocracia judaíta, por volta dos anos 400 a.C.
  9. i) Uma leitura objetiva do livro de Josué suscita várias perguntas: como justificar a invasão violenta de territórios de outras nações, a conquista pela força e a matança de populações? Com que direito os israelitas se apoderam dos territórios pacificamente habitados e cultivados pelos cananeus? Ainda por cima, toda a violência é atribuída a Deus Javé, que manda expulsar e matar as populações. Por que elas devem ser condenadas por seus pecados de idolatria?

Tudo isso comprova a opinião da maioria dos estudiosos: o livro de Josué pertence à “historiografia deuteronomista” (Js, Jz, 1 e 2Sm, 1 e 2Rs), cuja primeira redação foi feita pelos escribas do rei Josias (640-609 a.C.), a escola de escribas denominada “deuteronomista”, que, no reinado de Ezequias, fez a primeira redação do livro do Deuteronômio (Dt 12-26). Depois, o livro foi relido e redigido, no exílio e no pós-exílio, por escribas deuteronomistas ligados ao grupo nobre da primeira deportação (597 a.C.), representado pelo profeta Ezequiel, e ao grupo da golá (deportados nobres que voltaram), que consolidou o governo teocrata de acordo com os interesses do Império Persa (Esd 7,25-26). A principal intenção dos redatores era consagrar Javé como o único e poderoso Deus de Israel contra “outros deuses” (idolatria) e garantir a posse (ocupação) da terra e a legitimidade do poder para o povo eleito de Javé, Deus oficial dos teocratas.

1. Autor e contexto histórico

O livro de Josué não tem um único redator, mas vários redatores, vinculados a grupos sociais com diferentes objetivos, situações, locais e momentos históricos. A preocupação dos redatores não é tanto documentar uma história, mas interpretá-la, servindo os interesses de cada redator em sua realidade. Não é possível precisar cada momento desse processo. Apresentaremos, em linhas gerais, alguns marcos de cada período, conforme os estudos atualizados da literatura, da história, da arqueologia e outros, começando com o período da formação de Israel, no qual se desenvolveram as tradições antigas desse povo quanto à terra, à casa, à vida da aldeia, à festa, temas do livro de Josué.

 1.1. Período da formação de Israel

Por volta de 1300 a.C., a maioria da população que vivia nas planícies de Canaã era explorada pelos reis das cidades-
-Estado de Canaã e pelo faraó do Egito (1Sm 8,11-17) e submetida ao domínio deles. As pessoas empobrecidas e oprimidas lutaram pela sobrevivência e saíram das planícies (centros urbanos) para a região montanhosa no centro-norte de Canaã, onde era menos habitada e fora do controle dos reis e do faraó.

A partir de 1200 a.C., a saída (êxodo) da população foi acelerada pela crise dos centros urbanos, causada por fatores como: o enfraquecimento do Império Egípcio, provocando conflitos e guerras contínuas entre as cidades-Estado cananeias; as invasões dos “povos do mar”, posteriormente chamados de filisteus, fixando-se na costa do mar Mediterrâneo, ao sul da Palestina, e aumentando a instabilidade na região; uma prolongada seca e a diminuição da produção de alimento.

Os grupos de refugiados, como camponeses, operários e marginalizados (hapirus, hebreus) de Canaã, além de pessoas escravizadas no Egito etc., ingressaram nas pequenas aldeias já existentes nas montanhas de Canaã ou abriram novos assentamentos para experimentar uma vida livre, organizando-se e tentando viver um projeto igualitário com as seguintes características: partilha e uso comunitário da terra; partilha dos bens; lei da solidariedade; assembleia com a liderança dos anciãos; confederação de tribos na autodefesa; festas compartilhadas dos pastores e dos agricultores; cultos sem templos, sem sacerdotes e sem luxo, diferentemente dos cultos do Império Egípcio e das cidades-Estado. Foi o nascimento do núcleo inicial do povo israelita (não do Estado nacional).

Os acontecimentos do período da formação de Israel foram contados, interpretados, escritos e reescritos durante quase quatro séculos. Houve a ampliação, o acréscimo, a distorção e a manipulação da história por parte dos redatores do livro de Josué, como os do rei Josias e os dos teocratas, até glorificando Josué com um ciclo de sangue inocente e apresentando Javé como um Deus ciumento, violento e castigador (Js 6,17-21).

O livro contém uma história mítica e heroica (aspectos redacionais) relacionada com a reforma de Josias e com a implantação da teocracia em Judá, no pós-exílio. Contudo, a memória sagrada do povo não se deixa “apagar” no horizonte narrativo dos redatores, que chegam a ponto de insistir no aniquilamento de toda a população local. Por isso, o livro ainda registra algumas histórias e tradições sagradas da vida dos israelitas primitivos que tentaram viver na igualdade, na solidariedade e na liberdade:

  1. a) Terra partilhada (Js 14,1-4): a terra, fruto do dom do Deus da vida, deve ser repartida segundo as necessidades das famílias, clãs e tribos (Nm 26,55-56).
  2. b) A lei da hospitalidade (Js 2,1-7): a realidade sofrida obriga os israelitas primitivos a cooperar, amar e defender os “estranhos” como a si mesmos (cf. Gn 18,2-8; 19,6-8; Jz 19,20-23; Jó 31,32).
  3. c) Festas compartilhadas (Js 5,10-12): o Israel primitivo é formado pelos vários grupos cananeus empobrecidos, por escravos do Egito, por refugiados arameus da Síria etc. Cada grupo traz e celebra, na convivência, sua vida, sua cultura e suas festas, como a da Páscoa, dos Ázimos etc. Elas são compartilhadas e celebradas nas comunidades, fortalecendo a solidariedade e a fraternidade.

1.2. Período do rei Josias

Diante do enfraquecimento do controle assírio na Palestina, devido a conflitos internos e ameaças externas, Josias retomou, em 620 a.C., a reforma iniciada pelo rei Ezequias, centralizando em Jerusalém o culto a Javé, Deus do Estado, e destruindo os altares e objetos de culto das divindades nos santuários do interior, conhecidos como lugares altos. A reforma acentuou ainda mais o caráter centralizador que o templo de Jerusalém já possuía: Javé, o Deus do Estado, um só templo e um só povo de Israel (2Rs 22-23).

Apesar do forte caráter religioso, o objetivo principal da reforma de Josias (620-609 a.C.), como no caso do seu antecessor, Ezequias, foi a expansão nacional e territorial, sobretudo na região de Benjamin, antigo território de Israel Norte. As cidades de Jericó (Js 6), Betel (Js 8,12) e Gabaon (Js 9), que representavam importantes centros na região, foram os alvos imediatos da política nacionalista e expansionista do rei Josias.

Um dos meios de justificar e promover a incursão e a conquista militar foi a elaboração de uma obra historiográfica da ocupação de Canaã com notáveis estratégias de propaganda, prática bem conhecida dos relatos de conquista, como os efetuados pelos neoassírios. Eis alguns traços das justificativas e intenções do movimento de Josias que transparecem no livro de Josué:

  1. a) A guerra santa (Js 6-11): o próprio Javé, comandante das tropas de Israel, conquista as cidades “estrangeiras” e extermina suas populações em nome da aniquilação da idolatria, o que o rei Josias propagou e executou em sua reforma.
  2. b) As cidades conquistadas: a lista dos reis vencidos demonstra a pretensão e a dinâmica da política militarista e expansionista do rei Josias.
  3. c) Declaração de fé em Javé, feita por uma mulher estrangeira (Js 2,8-13): a adesão de Raab à divindade dos israelitas é protótipo do ato das nações estrangeiras, que devem temer e confessar somente Javé, o dono de toda a terra. Em seu projeto militarista e expansionista, Josias deseja salientar a grandeza de Javé diante das nações.
  4. d) A presença da arca de Aliança (Js 6): a arca da Aliança, símbolo da unidade e da identidade nacional, é apropriada, utilizada e descrita como presença sagrada e militar de Javé na conquista, para justificar e fortalecer a guerra santa do rei Josias. No pós-exílio, a arca, levada em procissão (Js 3-4), adquirirá maior caráter sagrado e litúrgico no contexto da teocracia, sendo transformada no “Santo dos Santos”, chamado de “sala do propiciatório” (cf. Ex 25,17; Lv 16,15; 1Cr 28,11).

1.3. Período exílico e pós-exílico

Na primeira invasão da Babilônia (597 a.C.), o rei Joaquin e seus colaboradores, incluindo o profeta Ezequiel, foram exilados para a Babilônia e se estabeleceram em Tel-Abib, no canal do rio Cobar (Ez 1,3; 3,15). Na segunda invasão (587 a.C.), o rei Sedecias, filho de Josias e tio de Joaquin, bem como seus governantes foram massacrados, a capital Jerusalém com seu templo foi devastada e Judá foi conquistada pelos babilônios (2Rs 25,1-21). Com o esforço do grupo do profeta Jeremias, camponeses remanescentes, a terra de Judá foi distribuída aos pobres por Godolias, governador nomeado pela Babilônia (Jr 40).

Durante o exílio, Ezequiel, formado em Jerusalém, de família sacerdotal, exerceu sua atividade no meio dos primeiros exilados, altos oficiais e anciãos (cf. 2Rs 24,10-16; Ez 1,1-3; Jr 29,1-23). Seu grupo, reconhecendo a destruição de Jerusalém como o resultado da infidelidade a Javé, tentava manter sua fidelidade e identidade, fortalecendo e renovando a teologia oficial: Javé do templo exila-se na Babilônia e está no meio dos primeiros deportados (Ez 10,18-22). Eles, com Javé oficial, consideram-se o verdadeiro povo de Deus (Ez 11,14-18) e os herdeiros legítimos da terra santa de Judá (Ez 11,15; 33,23-29), enquanto se mantêm “puros” no meio dos “impuros” (idolatria: cf. Ez 20; 22) e observam os estatutos e normas de Deus Javé: a circuncisão, o sábado, a lei da pureza etc. (Ez 32,19-21; 37,23). Nessa moldura teológica, o grupo de Ezequiel, que criticou os camponeses remanescentes por pretenderem ser os únicos herdeiros da terra de Israel (Ez 11,17-21; 20,42), revisou a primeira redação do livro de Josué com ênfase na retomada da posse da terra (Js 13-21).

Após o exílio, o grupo de Ezequiel, agora chamado golá, retornou para Judá e estabeleceu a teocracia, como comissário do Império Persa (Esd 1-7). Os teocratas reconstruíram e fortaleceram o sistema do templo com Javé, Deus único contra “outros deuses”, a teologia da retribuição, a lei da pureza, sacrifícios, festas, ofertas dos produtos da terra para Deus Javé etc., como principais meios de arrecadação de tributos para o enriquecimento da teocracia de Jerusalém e do Império Persa, provocando o sofrimento do povo (cf. Is 58,1-12; 66,1-4; Jó 24; Sl 73). Para usar o livro de Josué como meio de justificação de seu poder e de direito sobre o domínio de Judá, os escribas da teocracia releram, revisaram, ampliaram e escreveram a última redação desse livro, sobretudo a parte da “repartição da terra (Js 13-21) e a última parte (Js 22-24):

  1. a) O novo êxodo: o retorno dos repatriados (golá) para a Terra Prometida é descrito como o novo êxodo do povo eleito, que deveria ocupar e controlar a terra (Js 1,10-18; 4.1-24), justificando, assim, o direito e o poder do governo teocrata sobre a terra, a arrecadação de tributos etc.
  2. b) A sacralização da Lei (Js 1,6-9; 8,30-32; 22,1-8; 23,6): a teocracia sacerdotal sacraliza a lei da pureza, a circuncisão, a etnia eleita e santa, o monoteísmo, com a figura mítica de Moisés, patrono da Lei, e impõe a observância rígida desses preceitos.
  3. c) Os “despojos” da guerra santa (anátema): os objetos conquistados nas guerras vão para o tesouro do templo de Javé, enriquecendo a teocracia e o Império Persa (Js 6,17-19; 22,7-8; cf. Ex 25,1-9; Esd 7,25-26).
  4. d) A distribuição da terra santa (Js 13-21): a terra, conquistada pelo comandante Deus Javé, é distribuída para as 12 tribos de Israel, o verdadeiro povo de Deus, com a presença marcante dos sacerdotes na cerimônia transcendental da partilha da terra (Js 14,1; 17,4; 19,51; 21,1; 22,13.30.32).
  5. e) O altar do santuário escolhido por Javé, “Deus dos deuses” (Js 22): os sacrifícios e as ofertas devem ser oferecidos no templo de Jerusalém, onde habita Javé, o único Deus de Israel (Dt 4,39-40).
  6. f) A fidelidade ou infidelidade do povo a Javé e à sua palavra (Js 23): a quebra da Aliança, caso o povo venha a servir “outras divindades”, provocará a ira de Javé, tendo como consequência a perda da terra santa. A lei da pureza, com a teologia da retribuição, consolidada pelos teocratas, está em vigor para legitimar o poder de Javé e da teocracia.
  7. g) A renovação da Aliança (Js 24): o povo de Israel renova a Aliança com o Deus do êxodo, agora transformado em um Deus excludente, ciumento e vingativo. Se Israel não observar o livro da Lei, as palavras de Deus Javé, e servir “outros deuses”, “deuses do estrangeiro”, Javé tratará mal o povo e o destruirá.

2. Plano e conteúdo do livro de Josué

  1. a) Js 1-12: a primeira parte do livro relata a preparação e a realização da conquista, sendo redigida principalmente pelos escribas (deuteronomistas) do rei Josias como propaganda real, para justificar sua política nacionalista, militarista e expansionista. Posteriormente, a primeira parte é revista pelos redatores pós-exílicos com sua teologia, como a das 12 pedras (a totalidade do povo: Js 4,20; Ex 24,4; 1Rs 18,31), a circuncisão (Js 5,2-9; Lv 12,3; Gn 21,4), o anátema consagrado a Javé (Js 6,17-19; cf. Lv 27,21-29) etc. Provavelmente, Js 1, que contém o discurso de Javé e emoldura todo o livro com o discurso de Josué (Js 23-24), seja da redação pós-exílica.
  2. b) Js 13-21: a segunda parte do livro apresenta a partilha da terra entre as tribos e as listas com os territórios e fronteiras das tribos de Israel após seu assentamento. A maior parte desse segundo conjunto de textos é elaborada pelo grupo do sacerdote Ezequiel e estendida e intensificada pelos teocratas (golá) no pós-exílio, para legitimar o poder e o controle dos teocratas sobre os territórios de Judá.
  3. c) Js 22-24: a terceira parte é composta no período exílico e pós-exílico, apresentando o retorno das tribos (Js 22), o último discurso de Josué (Js 23), a aliança em Siquém e a morte de Josué (Js 24). O principal objetivo dos redatores é descrever o povo eleito de Javé em torno do templo e da Lei de Javé, Deus poderoso, ciumento, castigador, violento contra quem serve outros deuses. O maior castigo é a perda da posse da terra (Js 23,15-16; 24,16-28; cf. Dt 28,15-46).

3. Mensagens principais de ontem e de hoje

Em princípio, a história da formação de Israel, descrita no livro de Josué, é história mítica e heroica, elaborada para justificar e legitimar a reforma de Josias e o projeto dos teocratas. Não se deve, porém, desprezar a narrativa histórica bíblica. Nela, as tradições antigas da vida dos israelitas estão presentes. Até para convencer o povo, os redatores trazem, na história, as tradições antigas mais sagradas à vida cotidiana de Israel: terra, hospitalidade, festa etc. São as tradições e as espiritualidades que devem ser reavivadas pelo povo de hoje para a vida digna. Ao mesmo tempo, a apropriação e a manipulação da história e da imagem de Deus a serviço dos projetos dos poderosos também devem ser salientadas, para alertar e conscientizar a leitura da Bíblia em prol da construção do Reino da Vida:

  1. a) A terra é dom de Deus: a terra, na experiência do povo sofrido de Israel, deveria ser considerada como dom de Deus para o sustento da vida e ser repartida de acordo com a necessidade. Até hoje, porém, a terra continua a tornar-se fonte de riqueza abusiva e acaba sendo indevidamente concentrada na mão de alguns, em detrimento dos demais.
  2. b) Solidariedade e convivência: a memória sagrada da convivência solidária e festiva dos primeiros israelitas, que transparece na história de Raab e nas festas partilhadas, deve ser reavivada urgentemente na realidade do Brasil, onde um quarto da população (52,7 milhões) vive em situação de pobreza ou extrema pobreza.
  3. c) A guerra santa: as guerras, comandadas pelo próprio Deus Javé, chefe das tropas de Israel (Js 5,13-15), são verdadeiro manual (propaganda) de guerra santa de conquista, de violência, de massacre da população local, que serviu, por séculos, para sustentar argumentações religiosas de violências e guerras contra as populações inimigas. Ainda em nossos dias, a leitura fundamentalista transforma o “cerco de Jericó” (Js 6), por exemplo, em uma batalha espiritual contra as forças malignas, alimentando os cristãos com um fanatismo religioso desconectado da missão cristã a serviço da vida e da justiç
  4. d) Deus poderoso, ciumento e castigador na teologia da retribuição: a bênção e a maldição de Javé são condicionadas à fidelidade e à infidelidade à Aliança com ele, Deus único do templo de Jerusalém, a serviço do poder e do interesse da teocracia judaica sob a ordem do Império Persa. Na atualidade, o imperialismo, com seus “deuses poderosos e castigadores” (dinheiro, arma, honra, prazer), continua a encarnar-se em muitas “bestas” (Ap 13,11-18), atraindo, devorando e sacrificando pessoas inocentes mediante o trabalho escravo, a fome, a violência etc. Até as igrejas, com seu Cristo triunfalista, legalista e ritualista, colaboram e justificam a atuação das bestas do presente.

4. Uma palavra final

Olhando de perto o livro de Josué, notamos a presença de ambiguidades e manipulação da história. É necessário ler o texto bíblico no seu contexto histórico-social. Um dos critérios da leitura é a vida. No contexto da teocracia com Deus Javé poderoso do templo, que nem sequer escuta os gritos dos pobres impuros (Jó 24,12), Jó, representante dos impuros, por exemplo, critica a teologia da retribuição e apresenta o Deus defensor dos pobres que está no meio do povo (Jó 19,25-27; 42,1-6). É o Deus dos pequenos de Jesus de Nazaré (Lc 10,21), que, como manifestação do amor infinito de Deus Pai e Mãe, defendeu a vida e foi morto na cruz.

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Shigeyuki Nakanose* e Maria Antônia Marques**

*é assessor do Centro Bíblico Verbo e professor no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (Itesp). E-mail: contato@cbiblicoverbo.com.br
**é assessora do Centro Bíblico Verbo e professora no Instituto São Paulo de Estudos Superiores (Itesp). E-mail: ma.antoniacbv@yahoo.com.br

Revista Vida Pastoral. Paulus.  Publicado em setembro-outubro de 2025 - ano 66 - número 365 - pp. 4-11 JESUS CRISTO, O EVANGELHO DA FORÇA DE...